terça-feira, fevereiro 13, 2007

A mulher das cavernas

Doce mulher das cavernas! Passaste tanto tempo contemplando as paredes desse abrigo obscuro, adormecendo no calor do teu peito uma família irreal. E o leite é miragem, porque a criança que davas a vida nunca existiu. Doce mulher das cavernas, olhai a luz, o rei sol, que mancha com brilho o fundo da tua morada. Viras o corpo, dai meia volta, e caminhe para onde aquelas mãos não te tocam! Deixaram-na, pura e com lágrimas a derramar, partiram para os duelos do superficial. Agora alcance a tua espada, finque na terra seca, a fim de aguar as poças do desespero com esses teus olhos tão fundos. Mulher das cavernas, penteai os cabelos, esses fogos que em brasa alcançam a luz. E caminhe, passos largos, para a luz maior. Como é vazio contemplar de costas a parede rochosa, que desgasta e não reconstrói. Vira, vira meia volta, o mundo é seu [...]
E contam sabre o mito da caverna, desde os tempos de Platão.
Prisioneiros acorrentados, os pescoços algemados de modo a olhar apenas para aquela semi-obscuridade. O único feixe de luz que adentra a caverna permite que as sombras do mundo externo se projetem nas paredes do fundo. Assim, tais sombras passam a ser o real para os olhos dos acorrentados, e não podem saber que há seres humanos fora da caverna, pois não podem virar-se em direção à saída.
O que aconteceria se libertassem os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado?
Primeiramente se cegaria com a luz, mas caminharia em direção a ela. Prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não vira senão sombras de imagens e que somente agora está contemplando a própria realidade.
Em atitude de libertar os outros prisioneiros, voltaria para dentro da escuridão, ficando desnorteado, e contaria aos outros a grandeza que contemplou. Ninguém acreditaria em sequer uma palavra, e a liberdade adquirida morreria nos colchões de sua própria honra [...]
Libertai das correntes, mulher das cavernas! Não leves ninguém contigo, porque os homens são cegos demais pra acreditar nas grandezas que teus olhos vêem. Aquieta-se, mas caminhe, caminhe sempre em direção à luz, e abandone os presos pelo veneno da própria inconseqüência.
Lá fora há mãos sólidas, segure-as, beije-as. Por fim, apague o sol que projeta as sombras na caverna, e deixe-os festejar, apodrecer na escuridão - que adormeçam nos cemitérios da própria ignorância!

Nenhum comentário: