sábado, outubro 14, 2006

Aos amigos

Aos amigos,
Já é noite. Sento-me na cadeira de sempre ao lado do meu auxiliar, o café. Minhas olheiras já estão sombrias, fossilizando o dia embaixo dos meus olhos. Costumo escrever a noite, quando utilizo as letras pra desaguar sentimentos, ou de manhã, quando ainda não entendi o mundo. Hoje não tenho começo, meio, sequer fim. Não tenho uma idéia, um plano, uma crônica. Sou orquestra muda, prefiro o silêncio desta noite a despertar-me com a verdade do outro lado do espelho. Quero falar de tudo, e nada ao mesmo tempo. Quero fazer-me entender e ser incompreendida. O feio tornou-se indispensável para essa compreensão: meus cabelos estão desorganizados, como se cada fio quisesse tomar o lugar do outro. As pálpebras imitam a lua minguante, que briga com um pedacinho do céu pra manter-se brilhante. Mas o meu pensamento corre. E a sede do silêncio prevalece. Contraditório ser isso o que estou fazendo aqui, tentando transpor o silêncio.
Ah! Já não sou a mesma de antes. Costumava sentir aquele leve friozinho na barriga quando lembrava-me da sexta-feira. Claro, o fim da escravidão por dois dias. Como isso era aliviante - e um suspiro ia pintando o mundo, como se estivéssemos eliminando todas as impurezas da alma. Mas agora a sexta-feira pra mim é um dia de paz. Em que eu sento - enfim sento! - e tenho vontade de ficar flutuando, sonhando, desenhando um cenário cheio de príncipes, fadas e castelos na minha cabeça. Isso tem me satisfeito muito mais do que aprofundar-me no barulho da cidade. O silêncio da nossa alma é mais confortante do que qualquer risada em balcão de bar. Não que essa última atividade não me interesse mais, eu só simplesmente aprendi a apreciar a minha respiração de outra forma.
Às vezes não acompanho os meus contratempos. "Será que fiquei velha?", e logo um pensamento vicioso interrompe o meu diafragma "eu sou jovem, tenho que devorar o mundo". E lá vou eu, tentar gostar da idéia de ficar na mesa do bar, ouvindo as mesmas coisas dos meus 15 anos (e como eu gostava de participar daquele teatro!), pensando em que horas irei embora pra tomar a última a xícara de café do dia e ouvir minha última música. A minha expressão no meio externo mantem-se constante - na verdade virou mármore no meio de diamantes. E eu digo, não é falta de alegria,caros, é excesso! Tudo ganhou um novo sentido. Nem embriagar-me consigo mais como outrora. Tão pouco rastejar-me pelo chão feito verme sem hospedeiro. Quando me deparo com a minha realidade, tento fazer tudo voltar ao normal: bebo, mas sinto dor no estômago. Tenho sono. Durmo e lamento o silêncio que perdi enquanto via a modernidade desfilar sempre com a mesma face na minha frente.
É legal compartilhar momentos e goladas de cerveja, entre risos e descompromissos. Mas não me excita mais a idéia de entregar minha alma pra noite, minha mente pro vácuo, minhas palavras pra qualquer lugar menos onde me faça entender o que estou dizendo. Cansei da mesma forma de diversão, que não constrói, não destrói, não muda. Assim fica difícil ter aquele friozinho na barriga. Sim, tenho olheiras de seis metros, não me obriguem a ter vontade de agir como quando a noite esticava a minha pele. Definitivamente, não estou chata, não estou velha, não perdi o encanto pela vida! Um breve esclarecimento, meus amigos, a vida tornou-se mais apetitosa pras papilas gustativas que outrora eu tinha. Não gosto da idéia de cumprimentar todos os que já troquei meias palavras, me dá preguiça, na verdade eu não faço questão. Não quero sofismas que cortem a minha paz, tão pouco goladas que ardam o meu estômago.
Sou sim, a mesma menina com as idéias de girico que tem sempre um olhar desentendido. Mas não, eu não tenho mais a mesma coisa a oferecer do que tinha. Eu não uso o seu sorriso, tão pouco deixo-me ser usada. Tenho muito mais a oferecer, e é pra vocês, raros, raros amigos. Vejam por este lado, se renasci também tenho nas mãos forças puras a assoprar. E é tudo pra vocês.
Quero explorar o mundo, explorar vocês, fazer mais em menos tempo. Já não me entusiasma a idéia de ser um fantasma "ao fim do dia, sem ter pra onde ir à hora em que todos voltam."