domingo, dezembro 02, 2012

Avesso

No auge da minha juventude
Em que sou nova o suficiente pra delirar que sei das coisas
Tenho em mim coexistindo o avesso e o lado certo.

Colidem, batem, sacodem, estouram, fundem-se.

Verdadeiramente
não se pode ter duas coisas inconsiliáveis ao mesmo tempo.
Para isso, é melhor não ter nenhuma.
Porque duas coisas partidas ao meio
nunca serão uma coisa por inteiro.
Ter duas coisas pela metade
é não ter isso nem aquilo,
é não ter coisa alguma e ainda esticar-se para lidar com isso.
É não pintar sonhos, costurar planos,
porque dois sonhos pela metade não são um -
nem meio, nem um vento sequer pra contar história.
É como poder ter somente metade do tempo para dormir,
metade do tempo para estar acordando,
metade do copo para tomar água.
E no fim, a sensação de ressaca da noite,
a perda do calor do dia, a sede interminável.

Não poder doar-se para o que é pleno em si
é como olhar e não ver,
sentir sem vida,
chorar sem lágrimas.
É como uma rosa que é rosa mas não tem botão.
O calor denso que queima mas não aquece.

Ser pela metade é ainda pior do que ter pela metade.

Afinal
Estou virada do avesso.
Puxa! E não é que este é o meu lado certo?

domingo, novembro 11, 2012

Na sinestesia da noite ,
o tormento, o silêncio, as ondas surdas
Uma luz fosca na escrivaninha
ilumina papéis rabiscados sem começo, nem fim.
Pobre luz! Que escolha tem?
Com tantos outros verbos do mundo para dourar,
inclina-se justamente nestes, tão perdidos na noite?
Pobre da luz que não tem escolha.
Pobre as palavras, o vocábulo que não tem gesto
Nem resto, nem nada.
Pobre do verso vazio, que faz-se do avesso
sem luz, sem sal; adoeço.
Com tantos outros rascunhos para inspirar
Pobre fiapo de luz, por quê este?
Sem rima, sem vida
Vocábulos soltos na noite
Por quê este?

domingo, outubro 07, 2012

E cadê a inspiração?
Inspira, ação..
Eia! Pronuncia o letárgico
Letal, álgico..

sexta-feira, junho 08, 2012

A meia-noite amanhece dentro de mim
E com ela, a silhueta das sombras perenes
Leves, iluminam todas as frestas de sonhos-retalhos
Irreais, incertos, irreconhecíveis.

Ah! Chorei, parti, neguei
E o que ficou em mim foi apenas uma ideia de tudo isso:
a sombra do que eu senti naqueles tempos
Porque a coisa em si, a dor em si, o frio inerte
eu já não sinto mais.

E, quando enfim retomada a lucidez,
Repousa o esboço de um suspiro
Insipirado em tudo o que eu não vivi.
Injustiçada que fui, agora vivo duas vezes mais:
o que deveria ter sido e o que nunca permitiu-se ser.

Desperto no meio de um sono profundo
e presencio uma alma
que grudou do lado de fora do corpo
ocupando o Mundo como matéria inorgânica.
Depois volto a dormir com a mesma ideia de algo
que nunca passou de um delírio desesperado
em uma alma desavisada  - que perdeu-se do corpo.

sábado, abril 28, 2012

Vontade de ir embora

Arrumar a mala e ir pra lugar qualquer
Ou não arrumar mala nenhuma, partir com o trapo do corpo
e o trapo de dentro do corpo.
Arrastar a moléstia para outras pessoas
E adoecê-las com isso ao fim do dia, curando novas memórias.
Pegar uma condução para a estrada do nada,
que não chega a lugar algum,
que apenas arrasta os trapos da alma e assim finge-se ter alma.
Preciso sentar-me no banco do trem
E ver as árvores passarem, assim como passa também a vida
E sentir, ao observar o mundo do meu ponto relativo,
Que as coisas do outro lado da janela se movem
E nada é estático.
Mesmo que tudo isso seja uma mentira,
que todas as coisas continuem no mesmo lugar
E o que mudou é apenas o meu ponto de referência.

quarta-feira, abril 11, 2012

Sentido é não ter sentido

I.
Fecho os olhos. Amo-o e fito-o vagarosamente em meu palco memorial,
Cada detalhe, os traços bêbedos recordando lugares desusados de mim.
Fito-o sem pressa, porque não quero perder nenhum momento,
nenhum sorriso, nenhuma parte sem graça em uma metade qualquer.
E não tenho vergonha de amá-lo assim preguiçosamente,
porque logo que eu abrir os olhos
Ele estará em minha frente, e todos os traços que eu desenhei
Poderei admirá-los ainda sem pressa,
com os olhos vagarosamente dormindo
Perdendo-se nos rumores da malha.

Ao lado dele quero esticar o transcendente e nunca mais perder a textura das mãos
Entrelaçar as mãos e caminhar em vários lugares ao mesmo tempo
E, gaciosamente, exceder os limites do epaço-tempo
Ser feliz por estar ali e não por planejar onde eu deveria estar;
Por existir em plenitude em qualquer ponto tortuoso.

Entrelaçando as mãos quero que as coisas existam e façam sentido
Mesmo sem haver sentido real algum.
Quero que o mundo seja o Mundo e seja belo por isso,
sem precisar recorrer à todas as Leis para ter sentido.
Quero admirar o rio e sentir que ao vê-lo passar
passa também toda a arrogância,
a ignorância dessa moléstia que eu fui em noites terríveis.

Ora, já não busco conhecer profundamente o belo,
mas saber observá-lo onde quer que ele esteja;
Já não procuro, porque está em todo lugar.

II.
Já desamei coisas e sensações outrora. Mas é porque desamarrei.
A vida não tinha sido tão sincera comigo, fitado também os meus traços
Só pra ver o que me cabia melhor.
A vida tinha brincado de me dar vida,
Sete, oito, nove, só para que se pudesse morrer e viver de novo.
Agora talvez eu não tenha mais tantas vidas,
Mas tenho em mim a vontade de ter alguma,
e isso é algo que se constrói e dá lugar aos corpos empilhados do passado.
Não mudei, ainda sou eu. Mas sou eu de um jeito diferente,
Sou eu na realidade e sou eu em alguns sonhos.
Sou um cansaço estranho, mas também uma outra forma de se acordar todos os dias.
É bom e é ruim. Não há paixão sem delinear traços egoístas,
que só existem na vida empilhada que já foi.

Não tenho tido tempo de conversar muito.
Não porque o tempo me falta, mas porque eu faltei ao tempo.
Eu tive pressa, pulei o rio para o lado de nada
E perdi toda a graciosidade de como é atravessá-lo vagarosamente,
sentindo a água límpida amortecendo a minha celeridade.
Cheguei ao mundo onde tudo é alguma coisa,
e por isso nenhuma delas tem alma;
Porque estar vivo é um processo,
de caminhar no meio da estrada de nada,
onde o significado está na textura de dentro
No róseo forte pintado na parede do outro lado da pele,
de amar a tudo o que está em Si porque para isso não inventaram nomes.
Talvez chama-se arte.

(Ah! Naqueles dias engoli o outro lado do rio,
e fui feliz por umas duas horas.
Mas depois, ser feliz custou tempo
E fui infeliz por não ter tido tempo de ser feliz).

O amor não agrega sentido às coisas.
Amar uma única coisa e por isso todas as demais
É injusto com a vida, com toda a Natureza.
O amor simplesmente torna os sentidos aguçados às outras paixões,
Mas no fundo, quem ama um, ama o Universo todo.
E é assim que dois torna-se impiedosamente mais que um.
E a única condição disso é que não tenha condição alguma,
Que não faça sentido em nenhuma sociedade diminuta,
No incrível Sistema osquestrado por ninguém.