terça-feira, dezembro 19, 2006

Anencefálicos

"Nós não falamos sobre amor, nós apenas queremos ficar bêbados."
Não falamos também sobre liberdade, sobre mudança, sobre a força jovem.
Dizem-se nazistas, nacionalistas, comunistas, anarquistas, e outros 'istas'. Mas não há revolução. Há unicamente um preenchimento hipócrita de aparência. E, meus amigos, com todo o escarro que agora descansa no meu pulmão, eu repito: hipocrisia. E mais hipócrita ainda, mais que todos vocês, sou eu. Porque meu interior julga uma sociedade e, no entanto, eu faço de tudo para estar de acordo com seus padrões. Passei na faculdade, tomo banho, me visto pros outros assim como todos vocês, troco dinheiro por cerveja, depilo as axilas e a virilha. Sou igual. Pior, uma consciente que engole toda a noite o próprio verme da inconformação.
Mas uma coisa eu tenho: não entupi minha mente de conservantes, tão pouco de ansiedade pelo último capítulo da novela. Não fico feliz ao ganhar um tênis novo, não sorrio se a vizinha beijou o João (aliás, até semana passada pensava que dois vizinhos eram uma pessoa só).
Talvez alienada, viajante, com um cromossomo a menos, anormal, o que for. Aceito isso, aceito e fico quieta. Porque realmente, o mundo ali não me interessa. Eu olho pra lua quando ela vem me festejar, ela me olha, e é pra essa verdade grandiosa que eu vivo.
Não sou rebelde, não sou mal do século, não sou fracassada. Eu simplesmente tenho em minhas veias anticorpos a todo o tipo de condizência. Simplesmente tenho uma garganta berrante a toda essa estruturação e fábrica mental dos meus jovens.
Eu sinto tanto, tanto ao ver pessoas buscando firmação de identidade na aparência, mas que no peito, ostentam um vazio infinito de crítica.
Eis uma conversa que tive com meu caro jovem outro dia. Ele vestia coletes, calças rasgadas, pinos no corpo, como os punks quando o punk existia.]
Ele, na roda ao lado, a qual eu também participava: (esclareço que não fumo, mas bebo. e bêbada estava, ou seja, a língua solta. como dizem.. "muito loca")
"- Deixa eu fumar aê"
Tirei uma pira, já prevendo o humor que me tomaria posteriormente.
"- Só se você falar a sua visão política."
Ele encheu a boca, já perdido na inconsciência das drogas:
" - Libertário ao extremo. "
Eu ri, ainda procurando meu humor, já prevendo novamente a resposta.
" - Ó! Que bonito. E o que é libertário ao extremo?"
" - Nóis é contra as poliça."
Ótimo.
" - E é por isso que você se tornou um verme social, que perdeu toda a liberdade de crítica sã passando o dia inteiro sem tirar nem por pra sociedade? Aliás, tirando, o nosso dinheiro pra manter teu colégio, tua rua, a água tratada que corre pelo seu chuveiro?"
"- Ou você também não estuda? Acha que o país pode se reger sem um governante onde não houver educação que equilibre a comunidade?"
" - É a pira, a pira mãno, eu curto ficar muito loco. Cê tá ligado, os puliça atiraram no meu camarada só porque ele tava mal vestido."
" - Se não houvesse parasitas não haveria a necessidade de uma estruturação pra manter a ordem. Vocês são tão burros, que ao invés de revolucionar a ponto de contribuir com a educação e transformar uma sociedade civilizada que não precisaria de governantes, consolidam ainda mais a necessidade de se ter um poder centrado."
" - Nunca vão conseguir enfraquecer o poder a ponto de eliminá-lo."
" - Ô loco véi. Que ce ta falando?"
" - Que você é burro. Que a tua roupa é só um estereótipo do vazio do seu cérebro."
Claro. Tudo isso entre risos. Não queria virar carne.
Ele olhando pra maconha.
" - Quanto mais maconha você compra, mais bem paga os fornecedores. Assim, a polícia tem que aumentar a força e fixar ainda mais o poder."
" - Ah, mais só eu não vai mudá."
" - Não se envergonha de passar uma imagem que não condiz com seu 'libertarismo extremo?' "
" - Ué, sô contra os governo."
" - Eu sô contra hipocrisia."
" - Vô fumá aqui mais não, véi."
" - Fuma ali antes que 'os puliça' vem tirar a tua liberdade de emburrecer o país."

Lógico. Não falei com todos os verbos conjugados dessa forma, ele ia me achar patética. Eu acharia. Mas não sei imitar transcrevendo a minha forma de pronunciar.

Não é moralismo. Eu sou bicho social também. Mas poxa, não tenho uma hipocrisia que contradiz interno-externo.
Se quer causar, pense como seria se te virassem do avesso. Veriam o mesmo espírito revolucionário que a tua aparência acusa?
Talvez um organismo jovem tentando algemar a sua identidade ofuscada.
É o que nós somos, caros jovens, não sabemos quem somos. É o que nós fazemos, tentamos buscar na aparência o ideal.
Mas aí o pó derrete, o batom borra, o blush perde a cor, e ficamos todos com a cara de palhaço que tentamos outrora pateticamente disfarçar.
E as bochechas, rosadas de vergonha, denunciam que naquela cabeça só cabe sangue, e mais nada.
A bandeira cai, acordamos mais um dia com o resquício das nossos bebedeiras noite anterior.
E vai verme, vem verme, fica verme, dorme ... verme.
"Só a pontinha, fumo é pra ficar doidião, sou revoltado contra ... nada."

Obs: Essa é uma crítica não generalizada. Não me refiro a todos, admiro alguns humanos.

sábado, outubro 14, 2006

Aos amigos

Aos amigos,
Já é noite. Sento-me na cadeira de sempre ao lado do meu auxiliar, o café. Minhas olheiras já estão sombrias, fossilizando o dia embaixo dos meus olhos. Costumo escrever a noite, quando utilizo as letras pra desaguar sentimentos, ou de manhã, quando ainda não entendi o mundo. Hoje não tenho começo, meio, sequer fim. Não tenho uma idéia, um plano, uma crônica. Sou orquestra muda, prefiro o silêncio desta noite a despertar-me com a verdade do outro lado do espelho. Quero falar de tudo, e nada ao mesmo tempo. Quero fazer-me entender e ser incompreendida. O feio tornou-se indispensável para essa compreensão: meus cabelos estão desorganizados, como se cada fio quisesse tomar o lugar do outro. As pálpebras imitam a lua minguante, que briga com um pedacinho do céu pra manter-se brilhante. Mas o meu pensamento corre. E a sede do silêncio prevalece. Contraditório ser isso o que estou fazendo aqui, tentando transpor o silêncio.
Ah! Já não sou a mesma de antes. Costumava sentir aquele leve friozinho na barriga quando lembrava-me da sexta-feira. Claro, o fim da escravidão por dois dias. Como isso era aliviante - e um suspiro ia pintando o mundo, como se estivéssemos eliminando todas as impurezas da alma. Mas agora a sexta-feira pra mim é um dia de paz. Em que eu sento - enfim sento! - e tenho vontade de ficar flutuando, sonhando, desenhando um cenário cheio de príncipes, fadas e castelos na minha cabeça. Isso tem me satisfeito muito mais do que aprofundar-me no barulho da cidade. O silêncio da nossa alma é mais confortante do que qualquer risada em balcão de bar. Não que essa última atividade não me interesse mais, eu só simplesmente aprendi a apreciar a minha respiração de outra forma.
Às vezes não acompanho os meus contratempos. "Será que fiquei velha?", e logo um pensamento vicioso interrompe o meu diafragma "eu sou jovem, tenho que devorar o mundo". E lá vou eu, tentar gostar da idéia de ficar na mesa do bar, ouvindo as mesmas coisas dos meus 15 anos (e como eu gostava de participar daquele teatro!), pensando em que horas irei embora pra tomar a última a xícara de café do dia e ouvir minha última música. A minha expressão no meio externo mantem-se constante - na verdade virou mármore no meio de diamantes. E eu digo, não é falta de alegria,caros, é excesso! Tudo ganhou um novo sentido. Nem embriagar-me consigo mais como outrora. Tão pouco rastejar-me pelo chão feito verme sem hospedeiro. Quando me deparo com a minha realidade, tento fazer tudo voltar ao normal: bebo, mas sinto dor no estômago. Tenho sono. Durmo e lamento o silêncio que perdi enquanto via a modernidade desfilar sempre com a mesma face na minha frente.
É legal compartilhar momentos e goladas de cerveja, entre risos e descompromissos. Mas não me excita mais a idéia de entregar minha alma pra noite, minha mente pro vácuo, minhas palavras pra qualquer lugar menos onde me faça entender o que estou dizendo. Cansei da mesma forma de diversão, que não constrói, não destrói, não muda. Assim fica difícil ter aquele friozinho na barriga. Sim, tenho olheiras de seis metros, não me obriguem a ter vontade de agir como quando a noite esticava a minha pele. Definitivamente, não estou chata, não estou velha, não perdi o encanto pela vida! Um breve esclarecimento, meus amigos, a vida tornou-se mais apetitosa pras papilas gustativas que outrora eu tinha. Não gosto da idéia de cumprimentar todos os que já troquei meias palavras, me dá preguiça, na verdade eu não faço questão. Não quero sofismas que cortem a minha paz, tão pouco goladas que ardam o meu estômago.
Sou sim, a mesma menina com as idéias de girico que tem sempre um olhar desentendido. Mas não, eu não tenho mais a mesma coisa a oferecer do que tinha. Eu não uso o seu sorriso, tão pouco deixo-me ser usada. Tenho muito mais a oferecer, e é pra vocês, raros, raros amigos. Vejam por este lado, se renasci também tenho nas mãos forças puras a assoprar. E é tudo pra vocês.
Quero explorar o mundo, explorar vocês, fazer mais em menos tempo. Já não me entusiasma a idéia de ser um fantasma "ao fim do dia, sem ter pra onde ir à hora em que todos voltam."

terça-feira, setembro 26, 2006

A indústria do cérebro e a falência da liberdade

"Robôs, maquinários, homens-plásticos. Iguais, todos os parafusados que limitam a existência na fábrica da crítica. O mesmo estereótipo que padronizou os rótulos dos produtos estampou a inutilidade na fausta ignorância de cada olho com brilho metálico. A preparação externa, a sombra da beleza é apenas um grito do vazio - gruta dos ideais inexistentes. A figura eqüiparasita estrangula a cólera da esquizofrenia - um mundo conivente, que cria e descria a verdade. A maquiagem na face é o corante da fome. As estampas coloridas que veste, o uniforme da insensatez. Nos pés, a negação da terra virgem; o bloqueio do gigante que desperta a ira e preenche o celoma. A verosimilhança é tão frágil quanto a mercadoria envidrada - se fugir das mãos estravraza a quietude da anômala indiferença. Mas os sapatos. Ah, os sapatos! Os sapatos calçam a hipocrisia. E hão de caminhar pelos cacos partidos com o nariz que imita o sol. E tua terra, e tua bandeira, o decanso aveludado, irão enterrar-se entre os hinos da tua artéria. Adormecerão, e a fábrica, despertada e potente como a estufa da pleura, fortalecerá o seu comércio. Robôs, maquinários, homens-plásticos, todos envoltos pelo plasma da alienação. Estuprada a liberdade, nos resta o mercantilismo humano."

sexta-feira, setembro 22, 2006

O fetichismo da mercadoria

O tempo é escasso. Ô frasezinha clichê. Eu poderia jorrar o meu cansaço, transpirar a minha agonia, reclamar do calor que arde sob meus pés descalços. Ontem estava pensando, e senti vergonha. Mas não aquela que rosamos a face, tentamos nos esconder atrás de algum outro pensamento aliviante e esquecer aquele frio na barriga que mais dá vontade de sumir. Foi uma vergonha crônica, algo que adormeci e acordei. Algo que não posso substituir por nenhum vício, não posso acalmar imaginando-me em uma ilha distante sem vestígios de civilzação. Porque está em mim, em como tenho agido comigo mesma.
Como farei pra me colocar embaixo do cobertor quando minha face rosar, se ali estarei armazenando o meu próprio calor? Estarei expirando e inspirando o próprio sopro das minhas virtudes. Para nós mesmos, não há fuga que sirva como moratória.
A insatisfação é uma coisa engraçada. Claro, essencial, porque as buscas e conquistas só surgem a partir do momento que o degrau alcançado está baixo demais para as nossas vontades. Isso é a felicidade, que eu já defini aqui, segundo a minha concepção. Ela não existe, porque a satisfação não existe. Somos humanos, temos que continuar as obras do mundo. Tudo o que existe hoje foi regido pela sede de descobrir, inovar, fazer, ter. Se todos nós pudéssemos parar e deitar na rede, contemplando o que já existe, ao invés de farejar o inexistente, ainda estaríamos vivendo como os índios. O que eu não considero ruim. Aliás, é a minha utopia de vida.
Enfim - resgatando o meu ponto de vista antes dessa dispersão mental - já que nunca descansaremos o nosso ego, a felicidade é o processo (o que eu já mencionei também em outros textos). Esclareço que esse é o principal ponto da minha vergonha.
Passei um ano com um sonho, construindo uma obra a partir de um único tijolo pra conquistá-lo. E lembro-me que resmungava baixinho "se eu conseguir, tudo ficará sempre bem" - acreditando que estaria resolvendo a eternidade da minha vivência. Ou seja, estava me focando no objetivo final, como um fim em si mesmo, ao invés de tornar essa busca algo prazeroso e compensador. Consegui, como havia planejado e tanto sonhado. Mas hoje, que tenho isso em mãos, mal lembro de como sofri e me esforcei. Mal lembro de que tampos atrás era tudo o que eu mais queria na vida. Hoje, já que me foquei muito mais no fim de toda a minha jornada (que aliás, não é nem o começo), perdeu a graça a euforia da conquista. Porque já penso na próxima. Porque a vida vai se projetando nas nossas ambições futuras. E isso, meus amigos, é suicídio.
Quando tive em mente a minha autovalorização, meus olhos lacrimejaram, e eu tive vontade de abraçar a mim mesma. Inspirei fundo o ar, e se todo o meu pulmão nao estourou, foi porque o meu sorriso esvaziou o meu peito. Então, fui feliz recordando-me do processo de ser feliz.
Passei metade desse ano sentindo-me sempre diminuta, já que me tornei escrava dos meus objetivos. E de repente, simplesmente memorizando o que eu fui, pude ter meus tão sonhados cinco minutos de descanso. O tempo parou. As pessoas pararam. Nenhum ruído despertou a minha frigidez. Fiquei passiva, o inconsciente sentindo cada fibra do meu corpo. - Isso é estar viva - . Por minutos apreciei a minha felicidade, que não foi a minha conquista, mas sim a força que eu alcancei buscando.
E essa força foi a voz que eliminou os meus medos, que incentivou o meu vôo, que criou nos meus braços asas do infinito.
Não sei quanto tempo essa sensação vai durar, acredito que seja até quando a minha respiração encurtar, a mão esfriar, e eu dar espaço a coisas tão simples que mal poderiam ser notadas. Até o marinheiro [da última postagem] esquecer o sax no navio, abafar a melodia que poderia salvá-lo, e virar alimento pro desconhecido [talvez, escravo do seu próprio canibalismo], como qualquer corpo que vaga só porque é assim que as coisas se organizaram um dia.
Até quando eu voltar a suar esse instinto humano, que faz do meu pulmão bixo na escala evolutiva, que me envergonha.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Bonecos de osso, carne de plástico

A simplicidade do meu mundo está me conquistando. Sempre olhei pras coisas como se elas fossem as mais distantes, inalcançáveis e tendessem para um ciclo final. É como não dar corda na boneca por saber que numa hora, ali depois de alguns passos, ela vai parar e precisar de um outro impulso externo pra ir em frente. Assim que vivemos. Eu entendi que a morte traz a vida muito mais do que esta traz aquela. Todos nós temos que entender que a felicidade é o processo. É como ter uma pedra com luminosidade verde forte no alto da montanha mais perigosa. Tentar subir até lá é arriscado. Muitos param no primeiro passo, e apenas coexistem. Outros tentam subir, mas ficam tão obcecados em atingir o topo que esquecem de se aprazeirar com o presente, ou seja, a busca. Quanto mais subimos, mais a pedra vai afastando. Porque nossos sonhos aumentam, as exigências também. E uma coisa é certa: jamais chegaremos lá. Mas isso não é um ponto negativo, amigos. Vejo a maior condição de vida que nos foi dada. Porque a felicidade é apreciar o processo de ser feliz, mesmo que nunca possamos sentar e dizer "estou com a pedra nas mãos, agora é só guardar no bolso e descansar". Senão aí sim a vida teria um começo, meio e fim. E o sentido dela seria pegar a pedra ou não.
Mas é muito mais que isso. A inteligência não é apenas estudar com calma os caminhos, os atalhos, as dificuldades do relevo. É bem mais emocional.
Nunca me considerei uma pessoa com inteligência emocional, porque nunca soube me disvincular do passado e deixar de almejar o futuro pra contemplar o presente. Ou vivemos da nostalgia, ou dos nossos sonhos. Mas nunca do chão em que estamos pisando. Sempre busquei alto, "um dia..." (e isso é confortante, não é mesmo? O quê seria de nós se não existisse esse 'um dia..'?). Mas enfim, aprendi a ter paciência, a respirar e a viver meu presente sem planejar a vida ou relembrar o que não vivo mais.
É incrível como temos que rolar montanha abaixo pra saber como subir. A princípio vamos correndo, eufóricos, sem guadar forças pra trilha mais difícil. E despencamos. Ainda bem. Senão seria tudo tão fácil que eu preferiria ficar tomando chá nas dunas ali embaixo.
Uma coisa é certa. A partir do momento que aprendemos a apreciar o presente e manter a mente no presente, conseguimos chegar o mais perto do que chamam de felicidade. A nostalgia traz angústia e o futuro, medo. Para o presente, não precisamops matar o tempo nem encolhê-lo, não precisamos deixar de solucionar ou esperar, só basta.. viver.
A nossa maior virtude é não sermos felizes.
Senão sentaríamos na grama, e depois de meia hora a pedra tocável já perderia a graça, tornaria-se sem cor, e a vida ficaria sem sentido. Quando está no auge dos nossos sonhos, tudo fica tão especial. Nada é melhor do que uma conquista. E nada é mais estimulante do que um fracasso.
Não é viver pra morrer.
Não é morrer sem viver.

É como se fôssemos bonecos gigantes esperando que dêem corda para andarmos e tocarmos aquela musiquinha. Uma vez que aprendemos a fazer isso com o próprio peito, deixamos de esperar que nos dêem corda no futuro ou relembrar o quanto andamos no passado.

No nosso caso, vi que é necessário morrer pra viver.

terça-feira, julho 18, 2006

Surrealismo e iluminação - o humanismo da modernidade!

Falar sem a expectativa de leitores é um tanto quanto desinspirador.
Talvez minhas palavras surreais encham uma ou outra garota de sonhos, que lêem discretamente. Ou aquela senhora de chapéus velhos, que procurou por 'jones' no google e achou meus escritos. Talvez tenha espectadores no mundo todo que tentam entender o que é essa imaginação.
Não. Não é nada disso.
A minha maior leitora sou eu mesma.
Escrevo pra mim, mesmo que para os outros olhos pareçam simplesmente um conjunto desconexo de letras jorradas no vácuo.
Nunca neguei ser surreal. Ver o sol e imaginar vários elementos num cenário, o meu cenário, talvez louco. Olhar o prata da lua e traçar caminhos do tipo "Alice no país das maravilhas" em minha caixa cerebral. E então, no fim da noite, juntar todos esses artistas em um só protagonista: a arte da iluminação.
A iluminação significa chegar a um nível acima do pensamento, e não em ficar abaixo dele, ao nível de um animal ou de uma planta. No estado iluminado, continuamos a usar nossas mentes quando necessário, mas de um modo mais focalizado e eficiente. Assim, ultilizando o a massa cerebral com objetivos práticos, não ouvimos mais o diálogo interno involuntário e sentimos uma enorme serenidade interior. Quando usamos de fato nossas mentes e, em especial, quando necessitamos de uma solução criativa, há uma oscilação, de segundos, entre o pensamento e a serenidade, entre a mente e a mente vazia. O estado de mente vazia é a consciência sem o pensamento. Só assim é possível pensar criativamente, porque somente desse modo o pensamento tem alguma força real. Ele sozinho, quando não mais conectado com a área da consciência, que é muito mais ampla, rapidamente se torna árido, doentio e destrutivo.
O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a verdade mais fundamental quando proferiu sua conhecida máxima: "Penso, logo existo". Cometeu, no entanto, um erro básico ao equiparar o pensar ao Ser e a identidade ao pensamento. O pensador compulsivo, ou seja, quase todas as pessoas, vive em um estado de aparente isolamento, em um mundo povoado de conflitos e problemas. Um mundo que reflete a fragmentação da mente em uma escala cada vez maior. A iluminação é um estado de plenitude, de estar "em unidade" e, portanto, em paz. Em unidade tanto com o universo quanto com o eu interior mais profundo, ou seja, o Ser. A iluminação é o fim não só do sofrimento e dos conflitos internos e externos permanentes, mas também da aterrorizante escravidão do pensamento.
Que maravilhosa libertação!
Enfim, eu entendo por iluminação "conhecer a si próprio".
E é por isso que eu escrevo pra mim mesma.

"... o surrealismo é um movimento de liberação total, não uma escola poética. Via de reconquista da linguagem inocente e renovação do pacto primordial, a poesia é a escritura de fundação do homem. O surrealismo é revolucionário porque é uma volta ao princípio do princípio."

Não é inocência. Mas um resgate dela.
Pensar não é criar uma bomba atômica ou resolver palavras cruzadas. Se for usada corretamente, a mente é um instrumento magnífico. Entretanto, ao usar de forma errada, ela se torna manipuladora e destrutiva. Para maior precisão, não é você que usa sua mente de forma errada. Em geral, você simplesmente não a usa. É ela que usa você. Essa é a sua doença. Você acredita que é a sua mente. Eis aí o delírio.

O instrumento se apossou de você.

A liberdade plena não existe, porque estamos presos a nós mesmos e ao mundo. Mas o precesso da busca é a maior aroximação do real. O cérebro como uma máquina engenhosa, em que "quando você usa uma vez jamais retorna ao seu tamanho original". (desfecho de aurtoria conhecida - aquele mais admirado na história por pensar).

quarta-feira, julho 05, 2006

Andróide Paranóico

Doente. Mas não hipocondríaca.
Dormente. Mas não fraca.
Cansada. Mas não desistente.
Não um andróide.
Não um andróide.
Não um andróide.
Os caminhos levam pra dança das auréolas celestiais, contrapondo-se aos pés, que sentem os grãos da terra um a um. A alma flutua, a a matéria preenche espaço.
Mas quem diria que, na festa dos mortais, seria a minha vez de empilhar o ritmo?
Se estivesse hipocondríaca, as pílulas dissolveriam com o ar de cima.
Se estivesse fraca, não teria forças pra flutuar a minha alma.
Se desistisse, aí sim, se desistisse meus pés sentiriam o vento gélido e a alma, a umidade da terra.
Talvez uma mola comprimida que espera pra volumizar-se.
E enquanto está quietinha, pequenininha, ouvindo o barulho do próprio potencial elástico, é a hora que vale mais sua existência. Porque quando lançada ao mundo, transformará o que guarda na própria essência em movimentos visíveis, uma cinética efêmera.
Em forma de grão, não germinamos na estação que nos determinam. Em forma de mudas, temos que fixar-nos na terra pela própria manutenção da existência. Os grãos podem voar, os pequenininhos grãos flutuam por cá e por lá. As mudas ficam na mesma plantação, porque um dia foi germinada com o sol artificial da estufa.
Talvez a diminuta forma não seja sinônimo de carência de personalidade.
Ninguém sabe se o grão do feijãozinho está pronto pra nascer se não existisse as cores. E se me permite fazer uso figurativo do camaleão, as cores de nada servem para os olhos dos outros. As cores podem determinar a germinação da vida e podem acusar a hora de partir.
A palidez e o róseo.
O cinzento e o vivo.
Mas nunca o preto e o branco. O preto não é mais preto do que o branco, tão pouco o branco é mais branco que o preto. O contraste é um conjunto, um conjunto que impede o discernimento.
Relances cinzas, beirando ao preto, beirando ao branco, nada informam, nada solucionam.
O camaleão sabe a cor que deve expressar. Mas de nada adianta tentar pré-conceituar, porque a folha que contrastará com ele e permitirá o mimetismo ora pode estar preta, ora pode estar branca, talvez ambas, e se na primavera, pode estar multicolor. A vida então seria um jogo de vaivéns do xadrês, em que as peças movem-se , alternando entre os quadrados, do preto ao branco, como se esse quadrado fosse construído pelas nossas mãos e tudo fosse determiado. Como se fosse possível prever a próxima jogada, a próxima cor, e sacrificar peças pra jamais estar no pardo. É tudo tão diferente.
O que eu quero dizer é que achamos que talvez a essência esteja nas cores, porque é a expressão externa da vida, ou da morte, do início e do fim.
Mas de nada adianta, porque o colorido brilha ou cinzenta-se de acordo com expressão da alma de quem vê, de quem sente. A essência não é prejulgada, simplesmente porque cada garganta, cada olho e peito tem suas peculiaridades. Cada riso, cada lágrima, carregam em si forças e manifestações relativas, únicas.
A verdade das coisas é indecifrável.
Para tal, 'conheça-te a si mesmo' - a velha frase do sábio.
Pois só assim haverá discernimento entre um dia pardo e um dia intenso. Entre a noite enluarada, e a noite escura.
De um modo geral, convenhamos, só assim haverá discernimento entre a vida e a existência.

Nunca um andróide.

sábado, julho 01, 2006

O assassinato da quimera

Hoje vi alguém se suicidando.
Não por adormecer a matéria, e sim por estrangular os sonhos.
A vida escondida no mundo externo.
Voltar-se para fora e esquecer das vísceras.
E quem mata os sonhos, assina o suicídio.

Escrevi sobre isso.



O assassinato da quimera

As fúnebres lágrimas de sal
Varrem as reentrâncias da minha face
Como a sutil penumbra do roseiral
Morte que morre e que nasce

Filho da virgem, peito coberto
Ah! Outrora sonhei e perdi
As luzes das sombras adormecem perto
Nesse sepulcro em que renasci

O grito se espande pela pátria amada
Do outro lado do rio vejo a cruz
Levantai as mãos e reviva a espada!
Cravando carne a carne dos meus sonhos nus

Paralisia - e o buraco abre-se no mar
São anjos, são doces, asfixias dos céus
Que do cardíaco faz-se pronunciar
Serpentes nos cansados sopros do adeus

Sonho, vida ou morte
Dos punhos florescem chagas na estaca
Sou cadáver desenhando o mundo
Sou o pequeno decompositor que adormece e cala

Gota a gota minhas pálpebras cerram
Ai, plebéios sonhos meus!
Descansem eternos nesse túmulo
Enterro a vida nos cavados olhos teus.





A vida não está em outros olhos que não seja os nossos próprios.
pra essa pessoa: [a capacidade de sonhar é a vontade de viver].

segunda-feira, junho 19, 2006

Fibra de ferro?

Se tempos dedico palavras ao dia, o antagônico vale. A noite é preciosa. Não como tocáveis matérias brilhantes. Mas como luminosas estrelas no céu. Esses dias foram um dos melhores da minha vida. Deitar no verde, inspirar o ar fresco da noite, expirar o urbanismo caótico. O céu, como uma lona gigante perfurada ponta a ponta. Manchas de explosões luminosas, como é bonito! Acho que depois desse cenário deixei todas as palpitações do cardíaco em um só ponto - anos-luz da minha agonia. E o rio! Ah, o rio! Oceano doce. Como é vital sentir o vento forte, enquanto ouve-se o barulho das águas, o ruído dos bichos, e vê-se a lua estrelada. Pode parecer um cenário bastante comum pra quem quer procurar paz. É fechar os olhos, e mentalizar. Mas não é a mesma coisa. Não é comum. Ninguém faz isso, porque ninguém sabe como é especial sentir vida. Não aquela que eu recebo atrás de uma tela computadorizada, que eu sinto com os pés no cimento e o barulho dos carros como orquestra musical. Não é aquela vida que sinto todos os dias quando os raios do sol, refracionados por todas as construções urbanas, chegam até a minha janela sem brilho. Não quero acordar com uma chuvinha e o cheiro de enxofre. Eu simplesmente cansei de viver como um robô.
Tempos modernos, tecnologia, modernização, "avanço". O produto mais valorizado que o homem. A festa do fetichismo da mercadoria. Vivemos pra produzir, como uma seleção natural, *os menos depressivos - produzam, os mais, acabem-se. Os menos depressivos, acabem-se. Os mais depressivos, produzam. Um ciclo intermninável. E no meio de toda essa fumaça tóxica, esquecemos que a maior demonstração dos nossos acestrais humanos (refiro assim porque hoje somos mais máquinas que humanos), está a 90 graus do ângulo da visão, curvando para cima! ou a 180º, curvando para o lado que se encontra o verde mais intenso.
Somos pequenos, mas não por ter que se encaixar nesse sistema de mercantilismo humano. Mas sim por ter a adaptação nas veias e se esquecer disso. O ferro não substitui fibras. Eletrecidade não é sangue. Peito não é bateria.
Não reclamo da minha forma urbana de viver. Tento, sim, ser sempre um produto de uma 'seleção social' positiva. Não digo que quero me isentar dos meus sonhos empíricos. Mas acrescento isso com vida, que não encontro no ferro velho.
Se as lágrimas denunciam a prova da minha veracidade, derramei profundezas naquela noite.
Mas não liberando as cóleras da minha ânsia. Simplesmente renovando a humanidade do meu peito.
Eu digo, o mundo não surgiu pra ser esquecido.
Esqueçam, e sintam o mar vermelho se abrindo. Entre o sangue, nao está a viscosidade que pulsa, é o vácuo que rasga.

terça-feira, maio 23, 2006

O coelho e a cartola

Hoje eu vi uma criança admirada com uma borboleta. Os olhos quase saltavam do rosto de tanto brilho. Fascinados, deslumbrados, como se estivesse descobrindo todas as verdades do mundo. E para nós é uma simples borboleta. Chegamos a nem notar que ela está ali. Chegamos a achar absurdo alguém se admirar com algo tão 'pequeno'. E tudo se torna tão igual que às vezes o mesmo céu, o mesmo sol, o mesmo verde das folhas, tudo cansa. Porque ao crescer perdemos a capacidade de nos admirar todos os dias. E acordar dói, dormir desmotiva. Se pudéssemos ter uma borboleta todos os dias pra nos fazer brilhar os olhos, estaríamos todos salvos. E nós temos. Temos muito mais do que isso. Temos os sonhos, as buscas, a vontade de conhecer.
Vi que se o mundo é a cartola, eu sou o coelho. Mágica é ilusão, o coelho não sabe que está sendo apenas um interventor entre o duelo real-irreal. Apenas causou emoções nos olhos dos seus espectadores sem ter a mínima idéia disso. Foi parido pelas orelhas, foi apreciado por um instante, até a próxima ilusão provocar o esquecimento da anterior. Mas o mundo é uma cartola em que os coelhos não conhecem a mágica. E essa é a graça de viver. Porque quando você descobre o truque, tudo fica simplório e parece ser menos do que a sua mente brilhante esplendorava. Somos coelhos que por não conhecer o truque sonhamos alto, tentamos entender mistérios, e por mais simples que as coisas sejam [como o universo ser criado por alguém num "plim"], tentamos colocar as mais diversas emoções e hipóteses. Porque tudo pode ser. A alienígena posso ser eu para outro lugar diferente do nosso. A normal posso ser eu para os loucos. Sabemos do começo, sabemos do fim. Mas eu não quero saber o meio. A felicidade é o processo, porque nunca estaremos satisfeitos para daí em diante considerarmo-nos totalmente estéreis. Assim não haveria buscas, conquistas, mudanças, reformas. Assim o mundo iria apenas respirar o pó do passado. Se todos soubéssemos as respostas. O mundo é feito todos os dias, até o seu fim (se houver), como se todos nós fôssemos coelhos tentando achar o truque. Que não está pronto.
Assim são as pessoas. Todos somos como uma folha em branco ao nascer, a qual temos duas opções: desenhar ou ser desenhado. Não nascemos prontos, e buscar a resposta desse truque é se conhecer e saber o que está pintando em si mesmo. Quando se deixa pintar, as respostas são dadas pelas outras pessoas, porque assim são elas que criam o mundo que está dentro de você. Qual a graça disso?

Se a resposta de todas as minhas perguntas estivessem agora bem na minha frente, eu fecharia os olhos e tornaria o corpo para o outro lado. Porque se abrisse, estaria cometendo suicídio. Estaria borrando todos os meus sonhos, as minhas verdades, as minhas construções, a capacidade de querer viver (pra um dia alcançar as buscas e respostas).
Quem criou isso tudo sabe muito bem o que fez.
Cada um vive na sua própria mentira. Viver é buscar a verdade.
Inalcançável, é claro. Mas é essa a engrenagem da vida. Que não está nos outros, mas dentro de você. O universo inteiro cabe dentro de você.
E então você passa a ser a cartola e o universo o coelho.