terça-feira, dezembro 19, 2006

Anencefálicos

"Nós não falamos sobre amor, nós apenas queremos ficar bêbados."
Não falamos também sobre liberdade, sobre mudança, sobre a força jovem.
Dizem-se nazistas, nacionalistas, comunistas, anarquistas, e outros 'istas'. Mas não há revolução. Há unicamente um preenchimento hipócrita de aparência. E, meus amigos, com todo o escarro que agora descansa no meu pulmão, eu repito: hipocrisia. E mais hipócrita ainda, mais que todos vocês, sou eu. Porque meu interior julga uma sociedade e, no entanto, eu faço de tudo para estar de acordo com seus padrões. Passei na faculdade, tomo banho, me visto pros outros assim como todos vocês, troco dinheiro por cerveja, depilo as axilas e a virilha. Sou igual. Pior, uma consciente que engole toda a noite o próprio verme da inconformação.
Mas uma coisa eu tenho: não entupi minha mente de conservantes, tão pouco de ansiedade pelo último capítulo da novela. Não fico feliz ao ganhar um tênis novo, não sorrio se a vizinha beijou o João (aliás, até semana passada pensava que dois vizinhos eram uma pessoa só).
Talvez alienada, viajante, com um cromossomo a menos, anormal, o que for. Aceito isso, aceito e fico quieta. Porque realmente, o mundo ali não me interessa. Eu olho pra lua quando ela vem me festejar, ela me olha, e é pra essa verdade grandiosa que eu vivo.
Não sou rebelde, não sou mal do século, não sou fracassada. Eu simplesmente tenho em minhas veias anticorpos a todo o tipo de condizência. Simplesmente tenho uma garganta berrante a toda essa estruturação e fábrica mental dos meus jovens.
Eu sinto tanto, tanto ao ver pessoas buscando firmação de identidade na aparência, mas que no peito, ostentam um vazio infinito de crítica.
Eis uma conversa que tive com meu caro jovem outro dia. Ele vestia coletes, calças rasgadas, pinos no corpo, como os punks quando o punk existia.]
Ele, na roda ao lado, a qual eu também participava: (esclareço que não fumo, mas bebo. e bêbada estava, ou seja, a língua solta. como dizem.. "muito loca")
"- Deixa eu fumar aê"
Tirei uma pira, já prevendo o humor que me tomaria posteriormente.
"- Só se você falar a sua visão política."
Ele encheu a boca, já perdido na inconsciência das drogas:
" - Libertário ao extremo. "
Eu ri, ainda procurando meu humor, já prevendo novamente a resposta.
" - Ó! Que bonito. E o que é libertário ao extremo?"
" - Nóis é contra as poliça."
Ótimo.
" - E é por isso que você se tornou um verme social, que perdeu toda a liberdade de crítica sã passando o dia inteiro sem tirar nem por pra sociedade? Aliás, tirando, o nosso dinheiro pra manter teu colégio, tua rua, a água tratada que corre pelo seu chuveiro?"
"- Ou você também não estuda? Acha que o país pode se reger sem um governante onde não houver educação que equilibre a comunidade?"
" - É a pira, a pira mãno, eu curto ficar muito loco. Cê tá ligado, os puliça atiraram no meu camarada só porque ele tava mal vestido."
" - Se não houvesse parasitas não haveria a necessidade de uma estruturação pra manter a ordem. Vocês são tão burros, que ao invés de revolucionar a ponto de contribuir com a educação e transformar uma sociedade civilizada que não precisaria de governantes, consolidam ainda mais a necessidade de se ter um poder centrado."
" - Nunca vão conseguir enfraquecer o poder a ponto de eliminá-lo."
" - Ô loco véi. Que ce ta falando?"
" - Que você é burro. Que a tua roupa é só um estereótipo do vazio do seu cérebro."
Claro. Tudo isso entre risos. Não queria virar carne.
Ele olhando pra maconha.
" - Quanto mais maconha você compra, mais bem paga os fornecedores. Assim, a polícia tem que aumentar a força e fixar ainda mais o poder."
" - Ah, mais só eu não vai mudá."
" - Não se envergonha de passar uma imagem que não condiz com seu 'libertarismo extremo?' "
" - Ué, sô contra os governo."
" - Eu sô contra hipocrisia."
" - Vô fumá aqui mais não, véi."
" - Fuma ali antes que 'os puliça' vem tirar a tua liberdade de emburrecer o país."

Lógico. Não falei com todos os verbos conjugados dessa forma, ele ia me achar patética. Eu acharia. Mas não sei imitar transcrevendo a minha forma de pronunciar.

Não é moralismo. Eu sou bicho social também. Mas poxa, não tenho uma hipocrisia que contradiz interno-externo.
Se quer causar, pense como seria se te virassem do avesso. Veriam o mesmo espírito revolucionário que a tua aparência acusa?
Talvez um organismo jovem tentando algemar a sua identidade ofuscada.
É o que nós somos, caros jovens, não sabemos quem somos. É o que nós fazemos, tentamos buscar na aparência o ideal.
Mas aí o pó derrete, o batom borra, o blush perde a cor, e ficamos todos com a cara de palhaço que tentamos outrora pateticamente disfarçar.
E as bochechas, rosadas de vergonha, denunciam que naquela cabeça só cabe sangue, e mais nada.
A bandeira cai, acordamos mais um dia com o resquício das nossos bebedeiras noite anterior.
E vai verme, vem verme, fica verme, dorme ... verme.
"Só a pontinha, fumo é pra ficar doidião, sou revoltado contra ... nada."

Obs: Essa é uma crítica não generalizada. Não me refiro a todos, admiro alguns humanos.