sábado, abril 24, 2010

Amanhecer

(Sinto cosquinhas de luz dourando a minha palidez)
Ai! É o sol, e vem todo todo, grande, sem ser aclamado.
Grita, arde, debruça-se sobre todos os cantos da minha penumbra.
Interrompe.
A face estica os primeiros músculos do dia, involuntariamente,
como o último suspiro escandaloso que lancei noite passada.
As pálpebras, tortuosamente carregadas para cima, esticam (ai, estica mais!)
Com esforço deixo o olho aberto, em conjunto harmonioso com as olheiras-fóssil.
Esse sol, esse sol - Deixa-me!

Os pézinhos alcançam o chão, estão gelados (a meia perdeu-se na cama)
Caminham, um após o outro, em direção ao sol maior
Cega, como cega! Os dedos encolhem,
os músculos faciais deformam-se,
eu sei, já é hora de partir.
E vai, a fumaça de fora inflama o meu seio,
a buzina do fracasso soa como tortura sobre a pleura,
os primeiros barulhos do dia entram por um ouvido,
perdem-se no labirinto da cóclea, e por ali ficam
vagando, vagando, imitando a minha velha forma de adoecer ao fim do dia.

Faróis da minha enfermidade, deixa-me dourar a noite!
Que as estrelas não machucam, não brincam de esconder com meus alvéolos.
(Ai, as estrelas imitam o suspiro da alma,
refletem com mais força o sopro doce que pintei outrora!)
Faróis, faróis de todos os saberes!
Não tragam-me o dia, porque nem sequer
descansei as águas durante a noite.
- Nem sequer...
(A noite é cúmplice do prurido amargo deste teatro mal representado.
Do balcão, suspirei três vezes forçando todo o ar do mundo para a luz das minhas entranhas
e ao amanhecer, ainda estou conversando com os meus Mestres,
monólogo de um gigante vencido,
diálogos cheirando a velhas páginas que eu nem sei mais o que dizem).

Como ousas, como ousa interromper-me assim?

Passo a noite revivendo lembranças, uma a uma,
e nem dou conta de que elas são como as estrelas,
brilham a luz sem nem sequer existirem mais
(mas isso todo mundo já está cansado de saber, assim como eu sei de mim, tão pouco).

Ai, a lua! Prateia, sempre refletindo no espelho a fausta sobranceria da minha expressão.
Mas o sol, o sol... laborioso, mostrando-me com tanta evidência essa monstruosidade falada,
que ao refletir minha diminuta matéria ao espelho,
evidencia cada poro da minha forma de amar e odiar todas as coisas.
Já não quero olhar, não quero saber, não quero entender.
Liberte-me, dia! Não vês que cada partícula de luz é maior do que fiz a vida inteira?
Não vês que ao dourar-me, doura também aquilo que eu tento esconder?
Vai, te vás! E não volte, tão cedo, não volte, nem tão tarde...

Ao menos, entre os negros grãos da noite, quando falta o luar,
consigo fazer-me inexistente, manchando entre as sombras o que realmente sou.
Se caminho pelas ruas, vou como fantasma escarrado ao mundo,
e conto aos cem anjos da minha falácia que essa é a minha moldura mais real.
(Fico quietinha desabotoando lírios, sem piscar, sem respirar, sem existir).

Espanta os anjos, traz os demônios,
que subitamente penetram na minha face e me dão forma,
e desfiguram o doce timbre da orquestra plebéia que compõe o meu cardíaco.

Bom dia! Coloco a máscara. Existo.
O sorriso já tracejado, nem preciso me esforçar.
Boa noite! Retiro a máscara. Sou eu!
Sou eu. Que coisa! Boa noite.

segunda-feira, abril 12, 2010

Trapo

No meio da noite, quando sem pudor invejava o sono das estrelas, abri a janela e encontrei um moribundo dormindo em meu território.
- Xô, xô moribundo!
Ele riu-se todo ao tentar discernir se os meus olhos estavam apavorados por encontrá-lo ali ou por terem revelado a minha moléstia. - Ao menos posso dormir, disse-me.
Vexei-me e tentei contornar. - Eu posso sonhar.
- Ora, ora. Eu posso dormir e sonhar, acordar e continuar sonhando.
Fechei a janela apavorada por terem me descoberto.
Céus! Éramos dois moribundos, com a única diferença de que ele estava de um lado da parede, e eu, do outro.

Passarela

Eu quero fugir para o alto da colina e ver os extremos do mundo por meio de binóculos baratos.

quinta-feira, abril 08, 2010

Monossílaba

Acordei do meu sono profundo. Abri a janela.
- Ah! Quanta besteira!
Cerrei as pálpebras e conquistei o mundo inteiro antes de levantar da cama.