quinta-feira, novembro 04, 2010

Caricatura

Eu já deveria ter me posto a dormir
Fechado as janelas que sopram ventos mais
fortes em meus vaivéns,
Arrancado pela raiz o delírio prestes a nascer.
Porque nessas condições, qualquer idéia que me venha
à cabeça é malparida,
Qualquer pensamento mais profundo é inútil
Nasce, cresce e morre na manhã seguinte.
E de nada adianta tentar eternizá-los em palavras,
porque no fundo, são só palavras.
A passagem das horas despreza o que encontrei em mim
E o dia que nasce gera um novo eu -
diferente de tudo o que tentei proferir em meias palavras.

Ah, como eu queria nunca fechar as janelas
E deixar, sem pressa, os pensamentos fluirem
Simplesmente por hoje, e apenas hoje,
haver uma testemunha - o sentir.
Tenho-me feito um cubo de cores
em que há mil formas de montá-lo,
só por precaução
(e seguindo a lógica, deve haver mil formas de
desmontá-lo também).

Talvez se eu fechar a janela
e abrir a porta
os meus sonhos flutuem junto aos meus pensamentos
E quem sabe, descompromissadamente, eles se tornem um só.
(Talvez podem ir um para cada lado e tomarem direções distintas,
para nunca mais voltar.
Provável, pois tenho em mim toda a culpa imoral de que amanhã
nada disso terá gerado um filho primogênito,
e eu serei mais uma moribunda com ressaca nos olhos).

Me arrependo (só um pouco) de ter deixado florescer
na luz da noite os meus pensamentos e alguns sonhos
De não ter arrancado aquela raiz enquanto estava em tempo,
de não ter resistido à mim mesma.
Agora eu sei que tudo será longo, e inacabado,
até que o sol tonto a raiar apague todos os vestígios surdos
de estrelas recém-nascidas e desmemoriadas.

terça-feira, novembro 02, 2010

Sinceramente,

Eu não possuo a saudade; ela me possui.
Para isto, meus caros, o final do dia é um presente, uma dádiva, só para que se possa dizer "Ah, menos um!".
E dormir pela metade por reconhecer que, talvez, toda a realidade dentro de si seja uma farsa espreguiçando-se entre o capricho e a tolice.

A saudade é uma grande tolice.

E que não me venham os calmos dizer que é consequencia de viver. Que não me venham os comuns e controlados dizer que é a reação da ação. Não me venham, por favor, os caçadores de paciência discursar que é a prova de possuir algo real.

A saudade dói. É um vírus, uma moléstia, um imposto caro e injusto (mas que se continua pagando).
É como adoecer, como a injeção a tomar para depois expirar um alívio de que tudo vai ficar bem. É como engolir o remédio para dormir e rezar para o tempo se desintegrar do resto do universo e passar mais rápido - como querer distorcer todas as leis e criar um espaço egoísta e cego, longe de qualquer estado de consciência.

Tornamo-nos adictos e sedentários.

E quando a saudade se vai, o arrependimento inoportuno de tê-la amarrado nos pés e carregado consigo como um bêbado mancando.
E depois o alívio, o sorriso amortecido de volta, a leveza imprecisa do corpo, a anestesia da alma. Tudo soa como uma recompensa, uma indenização pelo plástico barato envolto nos pulmões, um pedido de desculpas envergonhado ao transtorno causado. Mas isso não é a saudade. É uma consequencia vil e mesquinha dela.

A saudade em si é uma grande tolice.