terça-feira, setembro 26, 2006

A indústria do cérebro e a falência da liberdade

"Robôs, maquinários, homens-plásticos. Iguais, todos os parafusados que limitam a existência na fábrica da crítica. O mesmo estereótipo que padronizou os rótulos dos produtos estampou a inutilidade na fausta ignorância de cada olho com brilho metálico. A preparação externa, a sombra da beleza é apenas um grito do vazio - gruta dos ideais inexistentes. A figura eqüiparasita estrangula a cólera da esquizofrenia - um mundo conivente, que cria e descria a verdade. A maquiagem na face é o corante da fome. As estampas coloridas que veste, o uniforme da insensatez. Nos pés, a negação da terra virgem; o bloqueio do gigante que desperta a ira e preenche o celoma. A verosimilhança é tão frágil quanto a mercadoria envidrada - se fugir das mãos estravraza a quietude da anômala indiferença. Mas os sapatos. Ah, os sapatos! Os sapatos calçam a hipocrisia. E hão de caminhar pelos cacos partidos com o nariz que imita o sol. E tua terra, e tua bandeira, o decanso aveludado, irão enterrar-se entre os hinos da tua artéria. Adormecerão, e a fábrica, despertada e potente como a estufa da pleura, fortalecerá o seu comércio. Robôs, maquinários, homens-plásticos, todos envoltos pelo plasma da alienação. Estuprada a liberdade, nos resta o mercantilismo humano."

sexta-feira, setembro 22, 2006

O fetichismo da mercadoria

O tempo é escasso. Ô frasezinha clichê. Eu poderia jorrar o meu cansaço, transpirar a minha agonia, reclamar do calor que arde sob meus pés descalços. Ontem estava pensando, e senti vergonha. Mas não aquela que rosamos a face, tentamos nos esconder atrás de algum outro pensamento aliviante e esquecer aquele frio na barriga que mais dá vontade de sumir. Foi uma vergonha crônica, algo que adormeci e acordei. Algo que não posso substituir por nenhum vício, não posso acalmar imaginando-me em uma ilha distante sem vestígios de civilzação. Porque está em mim, em como tenho agido comigo mesma.
Como farei pra me colocar embaixo do cobertor quando minha face rosar, se ali estarei armazenando o meu próprio calor? Estarei expirando e inspirando o próprio sopro das minhas virtudes. Para nós mesmos, não há fuga que sirva como moratória.
A insatisfação é uma coisa engraçada. Claro, essencial, porque as buscas e conquistas só surgem a partir do momento que o degrau alcançado está baixo demais para as nossas vontades. Isso é a felicidade, que eu já defini aqui, segundo a minha concepção. Ela não existe, porque a satisfação não existe. Somos humanos, temos que continuar as obras do mundo. Tudo o que existe hoje foi regido pela sede de descobrir, inovar, fazer, ter. Se todos nós pudéssemos parar e deitar na rede, contemplando o que já existe, ao invés de farejar o inexistente, ainda estaríamos vivendo como os índios. O que eu não considero ruim. Aliás, é a minha utopia de vida.
Enfim - resgatando o meu ponto de vista antes dessa dispersão mental - já que nunca descansaremos o nosso ego, a felicidade é o processo (o que eu já mencionei também em outros textos). Esclareço que esse é o principal ponto da minha vergonha.
Passei um ano com um sonho, construindo uma obra a partir de um único tijolo pra conquistá-lo. E lembro-me que resmungava baixinho "se eu conseguir, tudo ficará sempre bem" - acreditando que estaria resolvendo a eternidade da minha vivência. Ou seja, estava me focando no objetivo final, como um fim em si mesmo, ao invés de tornar essa busca algo prazeroso e compensador. Consegui, como havia planejado e tanto sonhado. Mas hoje, que tenho isso em mãos, mal lembro de como sofri e me esforcei. Mal lembro de que tampos atrás era tudo o que eu mais queria na vida. Hoje, já que me foquei muito mais no fim de toda a minha jornada (que aliás, não é nem o começo), perdeu a graça a euforia da conquista. Porque já penso na próxima. Porque a vida vai se projetando nas nossas ambições futuras. E isso, meus amigos, é suicídio.
Quando tive em mente a minha autovalorização, meus olhos lacrimejaram, e eu tive vontade de abraçar a mim mesma. Inspirei fundo o ar, e se todo o meu pulmão nao estourou, foi porque o meu sorriso esvaziou o meu peito. Então, fui feliz recordando-me do processo de ser feliz.
Passei metade desse ano sentindo-me sempre diminuta, já que me tornei escrava dos meus objetivos. E de repente, simplesmente memorizando o que eu fui, pude ter meus tão sonhados cinco minutos de descanso. O tempo parou. As pessoas pararam. Nenhum ruído despertou a minha frigidez. Fiquei passiva, o inconsciente sentindo cada fibra do meu corpo. - Isso é estar viva - . Por minutos apreciei a minha felicidade, que não foi a minha conquista, mas sim a força que eu alcancei buscando.
E essa força foi a voz que eliminou os meus medos, que incentivou o meu vôo, que criou nos meus braços asas do infinito.
Não sei quanto tempo essa sensação vai durar, acredito que seja até quando a minha respiração encurtar, a mão esfriar, e eu dar espaço a coisas tão simples que mal poderiam ser notadas. Até o marinheiro [da última postagem] esquecer o sax no navio, abafar a melodia que poderia salvá-lo, e virar alimento pro desconhecido [talvez, escravo do seu próprio canibalismo], como qualquer corpo que vaga só porque é assim que as coisas se organizaram um dia.
Até quando eu voltar a suar esse instinto humano, que faz do meu pulmão bixo na escala evolutiva, que me envergonha.