terça-feira, junho 17, 2014

Dose

Dobrando a dose
pra sobreviver.
Fazendo pose
pra aparecer.
Rimas pobres
reinventadas
Palavras nobres
despedaçadas.
Mais farinha
pra esticar a vaidade
Aquela mistura
a pílula da felicidade
Falsete, mente
é só acrobacia
É truque da gente
de uma só via.
Ah como sei
que é decadência das palavras
indecências que colei
agora escrachadas.
Dói aqui
é só coceira
é a metade
de uma parte inteira.
Dobrando o riso
pra esconder
aquela fresta
do ser e não Ser.
Eu não digo não
e nem dou razão
pra não parecer
que dobrei a dose.
Pra fingir que sou assim,
que acordei dessa hipnose
vestida de seda e cetim.

sábado, novembro 02, 2013

O médico perguntou-me qual a minha queixa.

- Sofro de amores. Sofri dramaticamente uma primavera inteira por amar pela metade e agora, que amo por inteiro, sofro duas vezes mais.

Fui diagnosticada com hipocrisia crônica.
Foi-me receitado duas aspirinas para dor. No dia seguinte, já não tinha mais nada.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

No alto daquela colina,
Fúnebre, singela,
um cacto fora do lugar
protagonizando seu lugar fora do mundo.
O que um cacto faz ali? Naquela colina,
Tão fria, tão desgarrada..
Olhei para minha condição, pensei quase que em automático,
"Que justiça o mundo o negou para crescer em
um Universo tão insignificante!"
Tirei os binóculos.
Atenho-me ao cacto. Mais de perto, quase tocando os espinhos.
O que é isso?
Deus, são dedos!
Então ficamos ali, eu e o cacto,
Habitando a mesma colina,
sem classificação taxonômica alguma.

domingo, dezembro 02, 2012

Avesso

No auge da minha juventude
Em que sou nova o suficiente pra delirar que sei das coisas
Tenho em mim coexistindo o avesso e o lado certo.

Colidem, batem, sacodem, estouram, fundem-se.

Verdadeiramente
não se pode ter duas coisas inconsiliáveis ao mesmo tempo.
Para isso, é melhor não ter nenhuma.
Porque duas coisas partidas ao meio
nunca serão uma coisa por inteiro.
Ter duas coisas pela metade
é não ter isso nem aquilo,
é não ter coisa alguma e ainda esticar-se para lidar com isso.
É não pintar sonhos, costurar planos,
porque dois sonhos pela metade não são um -
nem meio, nem um vento sequer pra contar história.
É como poder ter somente metade do tempo para dormir,
metade do tempo para estar acordando,
metade do copo para tomar água.
E no fim, a sensação de ressaca da noite,
a perda do calor do dia, a sede interminável.

Não poder doar-se para o que é pleno em si
é como olhar e não ver,
sentir sem vida,
chorar sem lágrimas.
É como uma rosa que é rosa mas não tem botão.
O calor denso que queima mas não aquece.

Ser pela metade é ainda pior do que ter pela metade.

Afinal
Estou virada do avesso.
Puxa! E não é que este é o meu lado certo?

domingo, novembro 11, 2012

Na sinestesia da noite ,
o tormento, o silêncio, as ondas surdas
Uma luz fosca na escrivaninha
ilumina papéis rabiscados sem começo, nem fim.
Pobre luz! Que escolha tem?
Com tantos outros verbos do mundo para dourar,
inclina-se justamente nestes, tão perdidos na noite?
Pobre da luz que não tem escolha.
Pobre as palavras, o vocábulo que não tem gesto
Nem resto, nem nada.
Pobre do verso vazio, que faz-se do avesso
sem luz, sem sal; adoeço.
Com tantos outros rascunhos para inspirar
Pobre fiapo de luz, por quê este?
Sem rima, sem vida
Vocábulos soltos na noite
Por quê este?

domingo, outubro 07, 2012

E cadê a inspiração?
Inspira, ação..
Eia! Pronuncia o letárgico
Letal, álgico..

sexta-feira, junho 08, 2012

A meia-noite amanhece dentro de mim
E com ela, a silhueta das sombras perenes
Leves, iluminam todas as frestas de sonhos-retalhos
Irreais, incertos, irreconhecíveis.

Ah! Chorei, parti, neguei
E o que ficou em mim foi apenas uma ideia de tudo isso:
a sombra do que eu senti naqueles tempos
Porque a coisa em si, a dor em si, o frio inerte
eu já não sinto mais.

E, quando enfim retomada a lucidez,
Repousa o esboço de um suspiro
Insipirado em tudo o que eu não vivi.
Injustiçada que fui, agora vivo duas vezes mais:
o que deveria ter sido e o que nunca permitiu-se ser.

Desperto no meio de um sono profundo
e presencio uma alma
que grudou do lado de fora do corpo
ocupando o Mundo como matéria inorgânica.
Depois volto a dormir com a mesma ideia de algo
que nunca passou de um delírio desesperado
em uma alma desavisada  - que perdeu-se do corpo.