terça-feira, agosto 31, 2010

Afinal

No fim do mundo, do alto de todos os saberes, eu apenas gostaria de sentir e nada saber.
E olhar para baixo, para os ignorantes que sorriem entre o sol e o rebanho, e invejá-los impiedosamente.
Mas eu sou apenas uma diminuta forma, um copo metade vazio. Eu nada sei e nada sinto em plenitude. Tudo o que fica é uma cosquinha, uma idéia, uma saudade.
Quantos goles atropelados em busca de moléstias, as quais eu não posso pagar por vida vivida?
Vida vivida sim, porque a vida sonhada eu conheço bem.

Quantas vezes olhei para as estrelas, e inquietamente me perguntei,
- "Da onde vieram?"
(Quantas vezes não olhei para as estrelas, justamente por não saber da onde vieram).
- "Desisto, a maioria está morta, nos enganam com luzes enterradas no espaço-tempo".
E por um segundo deixei de saber e apenas senti. Olhei novamente e a única coisa que me ocorreu foi,
- "Oh!"
Entre pouco e quase nada, a estrela passou a existir quando eu a olhei.
Quando as observei com os olhos, com a alma de um mortal, com a ciência de um curandeiro, com a filosofia de um cansado.

E eu sorri admirando os pequeninos defuntos brilhantes, os mais belos que já vislumbrei. Tudo existiu, e eu enfim senti todas as coisas - e as coisas me sentiram pela primeira vez.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Ressaca moral

Fecho os olhos e me esforço para lembrar quem eu era na primavera passada.
Na retrasada talvez eu tivesse sido mais feliz. Mas eu não lembro.

[Distraio-me.
Abro o livro dos poemas em uma metade qualquer, na esperança de usurpar uma sequência de palavras reflexivas.
Injeto-me meia dúzia, como um horóscopo desesperado].

Meu Deus, eu me tornei uma fraude!

[e ainda espirrei ao fechar o livro].

quarta-feira, agosto 11, 2010

Epifania

Os homens da ciência são poetas da própria solidão e da solidão de todas as coisas (condenados pelo silêncio do Universo - as perguntas sem respostas descansadas). Os homens da ciência têm impacto e nenhuma rima, e por isso as almas são vistas como um balde primitivo de sonhos e sentidos equacionáveis. Ah, meus caros, os homens da ciência sofem, e sofrem duas vezes: por saberem que quando a noite cai a vida será longa e que quando o dia amanhece, cada hora fica tão curta [...]

(conto-lhes um segredo: durante a noite leio versos de poetas mortos que descansam em minha prateleira, só para poder enfim entender, ao amanhecer, que a tal molécula não serve para nada).

E às vezes, durante o labor, cansada em meio a tantos textos de diversas formas e palavras que beiram a neologismos viciosos, que falam muito e falam pouco, pergunto-me impiedosamente:
Por quê é mesmo que eu fui embora de casa?
E de repente sinto todos os receios morais do mundo.

Até que o tédio é corrompido e me invade a doce epifania de que amanhã tem mais, e sempre terá. E isso é um bom motivo para acordar (e, consequentemente, para não dormir também). Tudo fica bem.
Quem sabe os homens da ciência estejam bem.
Quem sabe a luminária fraquinha no canto da mesa nem note a passagem das horas.

segunda-feira, agosto 09, 2010

Tenho permanecido calada, apenas observando a epidemia.

Eis a contradição. Eu quero escrever para os justos e ser lida pelos miseráveis.