terça-feira, maio 23, 2006

O coelho e a cartola

Hoje eu vi uma criança admirada com uma borboleta. Os olhos quase saltavam do rosto de tanto brilho. Fascinados, deslumbrados, como se estivesse descobrindo todas as verdades do mundo. E para nós é uma simples borboleta. Chegamos a nem notar que ela está ali. Chegamos a achar absurdo alguém se admirar com algo tão 'pequeno'. E tudo se torna tão igual que às vezes o mesmo céu, o mesmo sol, o mesmo verde das folhas, tudo cansa. Porque ao crescer perdemos a capacidade de nos admirar todos os dias. E acordar dói, dormir desmotiva. Se pudéssemos ter uma borboleta todos os dias pra nos fazer brilhar os olhos, estaríamos todos salvos. E nós temos. Temos muito mais do que isso. Temos os sonhos, as buscas, a vontade de conhecer.
Vi que se o mundo é a cartola, eu sou o coelho. Mágica é ilusão, o coelho não sabe que está sendo apenas um interventor entre o duelo real-irreal. Apenas causou emoções nos olhos dos seus espectadores sem ter a mínima idéia disso. Foi parido pelas orelhas, foi apreciado por um instante, até a próxima ilusão provocar o esquecimento da anterior. Mas o mundo é uma cartola em que os coelhos não conhecem a mágica. E essa é a graça de viver. Porque quando você descobre o truque, tudo fica simplório e parece ser menos do que a sua mente brilhante esplendorava. Somos coelhos que por não conhecer o truque sonhamos alto, tentamos entender mistérios, e por mais simples que as coisas sejam [como o universo ser criado por alguém num "plim"], tentamos colocar as mais diversas emoções e hipóteses. Porque tudo pode ser. A alienígena posso ser eu para outro lugar diferente do nosso. A normal posso ser eu para os loucos. Sabemos do começo, sabemos do fim. Mas eu não quero saber o meio. A felicidade é o processo, porque nunca estaremos satisfeitos para daí em diante considerarmo-nos totalmente estéreis. Assim não haveria buscas, conquistas, mudanças, reformas. Assim o mundo iria apenas respirar o pó do passado. Se todos soubéssemos as respostas. O mundo é feito todos os dias, até o seu fim (se houver), como se todos nós fôssemos coelhos tentando achar o truque. Que não está pronto.
Assim são as pessoas. Todos somos como uma folha em branco ao nascer, a qual temos duas opções: desenhar ou ser desenhado. Não nascemos prontos, e buscar a resposta desse truque é se conhecer e saber o que está pintando em si mesmo. Quando se deixa pintar, as respostas são dadas pelas outras pessoas, porque assim são elas que criam o mundo que está dentro de você. Qual a graça disso?

Se a resposta de todas as minhas perguntas estivessem agora bem na minha frente, eu fecharia os olhos e tornaria o corpo para o outro lado. Porque se abrisse, estaria cometendo suicídio. Estaria borrando todos os meus sonhos, as minhas verdades, as minhas construções, a capacidade de querer viver (pra um dia alcançar as buscas e respostas).
Quem criou isso tudo sabe muito bem o que fez.
Cada um vive na sua própria mentira. Viver é buscar a verdade.
Inalcançável, é claro. Mas é essa a engrenagem da vida. Que não está nos outros, mas dentro de você. O universo inteiro cabe dentro de você.
E então você passa a ser a cartola e o universo o coelho.