domingo, abril 22, 2007

Ansiedade

Não era noite, não era nada. Ai, os pézinhos tocando o chão, silenciosamente, um a um. Os tacos do piso contorciam-se pra não entregar essas falanges que o pisoteavam. Tudo minucioso, delicado, traçado. Como é bonito o silêncio - arte que faz boa obra em qualquer um.
A respiração contada, pausada, o ar milimetrado. E vai, prende só quatro moléculas, e solta, apenas três.
- Vão descobrir!
O silêncio foi quebrado. E então uma olhadela de soslaio foi lançada. Aqueles olhos que falam por si só, que faz um rebanho de touros deitar no travesseiro com lacinho no chifre.
- Tá, não falo mais nada, mas você vai ver... tá acontecendo.
Com volúpia, o dedo indicador alcançou os lábios, e um pequeno sopro demonstrou que já era hora de calar. O batom vermelho denunciava a indiferença perante a situação. A cor paixão cobria os pequenos cortes da boca, transformando cadáver em tom rosado.
- E se não for tão simples assim?
É notável como a insegurança torna flácida as feições das pessoas. Deforma o pigmento dos olhos, amortece as pálpebras, faz tudo parecer mais do que realmente é. Dessa vez, o melhor realmente era calar.
Já com uma das sombrancelhas elevadas, o ódio ficou evidente. O silêncio é um espetáculo discreto, e aquele que devolve ao mundo mais moléculas que o necessário, não é merecedor desse ar. As regras são claras. Ai, as regras são bem escuras.
- Ouvi passos. Céus, vamos sair logo daqui.
E novamente, nada foi dito. A pupila dilatou, a adrenalina sujou os pulsos, as mãos começaram a querer atropelar alguma garganta. Mas eram as regras, o silêncio de sua ira permaneceu na gruta do acústico interno.
Com os olhos semiabertos, dessa vez o indicador esquerdo foi elevado aos lábios. Isso não era bom, a paciência já estava curta. Piscou delicadamente com o olho direito, e depois, voltou-se à saída. Os pézinhos retornavam, um a um, fazendo trilha sonora sobre o piso de madeira. Dessa vez, pisavam fundo, e os tacos já não conseguiam manter silêncio, cantarolando rítmos e mais rítmos seguidos. O coração também participava da orquestra - batucava em harmonia perfeita com os pézinhos. As fossas nasais davam um toque especial na apresentação, atuando com o ar tortuoso das narinas. Maestro é o suor das mãos, a indicação de que tudo vai começar, o organizador do todo.
Pronto. O silêncio foi rompido. Agora acordemos que o chá esfria na mesa, o jornal espera ser compreendido, o sol denuncia que já é hora de gritar. Veste a roupa logo que a buzina do carro está soando. Hoje a musicalidade vai ser bonita, temos gases de diversas cores no ar pra tornar a respiração mais profunda, em doce compasso com o resto do caos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cade as atualizacoes??
Humf!!
:/

Anônimo disse...

perdoe!
"a vida está uma loucura".
logo poderei retornar a respirar palavras.
por enquanto, mal cabe o ar nas minhas narinas. estão entupidas dessas responsabilidades do "ter que fazer", "ter que ser". lógico, tenho que buscar sempre ser uma conseqüência bem escarrada desse darwinismo social. os mais aptos ao caos sobrevivem, os menos, viram homens-bomba ou protótipo de marx.
hehehe
=)