quarta-feira, julho 05, 2006

Andróide Paranóico

Doente. Mas não hipocondríaca.
Dormente. Mas não fraca.
Cansada. Mas não desistente.
Não um andróide.
Não um andróide.
Não um andróide.
Os caminhos levam pra dança das auréolas celestiais, contrapondo-se aos pés, que sentem os grãos da terra um a um. A alma flutua, a a matéria preenche espaço.
Mas quem diria que, na festa dos mortais, seria a minha vez de empilhar o ritmo?
Se estivesse hipocondríaca, as pílulas dissolveriam com o ar de cima.
Se estivesse fraca, não teria forças pra flutuar a minha alma.
Se desistisse, aí sim, se desistisse meus pés sentiriam o vento gélido e a alma, a umidade da terra.
Talvez uma mola comprimida que espera pra volumizar-se.
E enquanto está quietinha, pequenininha, ouvindo o barulho do próprio potencial elástico, é a hora que vale mais sua existência. Porque quando lançada ao mundo, transformará o que guarda na própria essência em movimentos visíveis, uma cinética efêmera.
Em forma de grão, não germinamos na estação que nos determinam. Em forma de mudas, temos que fixar-nos na terra pela própria manutenção da existência. Os grãos podem voar, os pequenininhos grãos flutuam por cá e por lá. As mudas ficam na mesma plantação, porque um dia foi germinada com o sol artificial da estufa.
Talvez a diminuta forma não seja sinônimo de carência de personalidade.
Ninguém sabe se o grão do feijãozinho está pronto pra nascer se não existisse as cores. E se me permite fazer uso figurativo do camaleão, as cores de nada servem para os olhos dos outros. As cores podem determinar a germinação da vida e podem acusar a hora de partir.
A palidez e o róseo.
O cinzento e o vivo.
Mas nunca o preto e o branco. O preto não é mais preto do que o branco, tão pouco o branco é mais branco que o preto. O contraste é um conjunto, um conjunto que impede o discernimento.
Relances cinzas, beirando ao preto, beirando ao branco, nada informam, nada solucionam.
O camaleão sabe a cor que deve expressar. Mas de nada adianta tentar pré-conceituar, porque a folha que contrastará com ele e permitirá o mimetismo ora pode estar preta, ora pode estar branca, talvez ambas, e se na primavera, pode estar multicolor. A vida então seria um jogo de vaivéns do xadrês, em que as peças movem-se , alternando entre os quadrados, do preto ao branco, como se esse quadrado fosse construído pelas nossas mãos e tudo fosse determiado. Como se fosse possível prever a próxima jogada, a próxima cor, e sacrificar peças pra jamais estar no pardo. É tudo tão diferente.
O que eu quero dizer é que achamos que talvez a essência esteja nas cores, porque é a expressão externa da vida, ou da morte, do início e do fim.
Mas de nada adianta, porque o colorido brilha ou cinzenta-se de acordo com expressão da alma de quem vê, de quem sente. A essência não é prejulgada, simplesmente porque cada garganta, cada olho e peito tem suas peculiaridades. Cada riso, cada lágrima, carregam em si forças e manifestações relativas, únicas.
A verdade das coisas é indecifrável.
Para tal, 'conheça-te a si mesmo' - a velha frase do sábio.
Pois só assim haverá discernimento entre um dia pardo e um dia intenso. Entre a noite enluarada, e a noite escura.
De um modo geral, convenhamos, só assim haverá discernimento entre a vida e a existência.

Nunca um andróide.

Nenhum comentário: