sexta-feira, julho 15, 2011

Certamente

se eu contasse para o Neves da padaria, bem como para a sua mulher e dois filhos também, me olhariam fixo com a face esbugalhada e diriam: "Você é louca? Não está vendo?". E de certeira quando me olho de fora, quando tiro todas as máscaras e finjo não ser eu, pergunto a mesma coisa que o Neves e seu rebanho. Tudo é óbvio e equacionável.
Mas quando olho para mim, quando me volto para dentro, nada é tão claro assim. O que havia tomado solução inteira passa a questionar as premissas. A minha dedução torna-se indução.
Eis a maior cegueira: se me volto para dentro, os desejos passam a fazer parte da minha ideia de realidade e, terrivelmente, a modificá-la.
[...]
De repente me esboço frente ao espelho. Quantos olhos eu já julguei insanos quando acreditaram nas minhas falácias? Quantas vidas eu já julguei primitivas por incorporarem uma ideia aparentemente absurda?
Hoje eu vejo que apenas se voltaram para dentro enquanto eu, verdadeiramente estúpida, tentava moldar o que estava fora. Hoje eu sou uma dessas pessoas, assim como todos o são. Eu sempre fui, assim como todos sempre foram.
Cética? Só quando não é comigo. Centrada? Só quando é pra falar do outro, e não de mim.
[...]
Esboço-me no espelho mais uma vez.
Eu quero nascer de novo dentro de mim, de um jeito novo, à parte de tudo e sendo parte de tudo. Quero ir para a direita e ver como teria sido.. atravessar a rua em um dia qualquer em meio a um tormento e ver se isso mudaria a minha vida. Contar histórias inéditas e ver se isso mudaria o meu senso de mim. Ter sorrido mais vistosamente naquele momento e ver se isso teria trazido calamidade.
Eu queria morrer para ver como é, e se não fosse gracioso, voltar como se nada tivesse acontecido. Eu queria nascer para ver como é, e se não fosse leve, voltar como se nada tivesse acontecido.
Por quê as coisas têm apenas uma via? Por quê não é possível passear pelos dois lados? Por quê viver com o ceticismo do vizinho e não poder voltar e contar a história certa?
Sinto um cansaço de mim e de tudo.

E volto-me para fora de novo, com um olhar de um desenhista, com a ironia do destino. E tudo o que eu vejo são risos indecifráveis e provérbios que eu jamais escutei.

Mas eu não respondi, não matei e nem dei razão.
Fingi que não era comigo. Fingi não ser eu. E quando me deparei novamente frente ao espelho, senti vergonha de mim.

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